Religiões africanas no período colonial

12/04/2022

Elaine Francieli Muzyka Zambon é graduanda em História pela Unicentro, Campus Santa Cruz.


As religiões africanas sofreram intensamente os impactos advindos com a forçosa introdução da religião cristã/católica pelos colonizadores europeus, se fazendo presente em vários países africanos. Entretanto, fica fora desta narrativa já conhecida de muitos, o fato de que não fora um processo tão simples, houve embates e resistência. O povo africano possuía suas crenças, acreditava (talvez, não no mesmo Deus cristão), mas, reconheciam outras formas de divindades, vistas como bondosas, generosas, que ajudavam a humanidade, mas também a puniam em virtude de más condutas.

Neste contexto, é possível verificar que, abaixo da figura divina suprema, haviam outras divindades, que eram igualmente adoradas, e recebiam oferendas. De outra sorte, existiam ainda outras entidades/espíritos dotados de capacidade sobrenatural/mística capazes de ajudar ou prejudicar as pessoas, assim, os povos africanos costumavam (e ainda costumam) se utilizar de amuletos e encantamentos para proteção.

Os africanos entendiam a morte como continuidade da vida, compreendendo que os mortos permaneciam com os vivos, sendo a sociedade formada ainda, pelos que não nasceram. Com a chegada do islamismo e do cristianismo, sendo ambas impostas às sociedades locais, houve grande impacto, que moldou as sociedades africanas de forma que agregaram elementos destas duas religiões. O processo de transição foi árduo e de fato bastante doloroso (forma imperativa e cogente totalmente alheia ao que, até então era conhecido, em um contexto, onde os europeus possuíam maior poderio bélico, inclusive, tendo como fator bastante importante neste cenário, a própria escravidão).

Os europeus acreditavam estarem proporcionando um bem maior aos africanos, ao impor suas formas de vivência e suas crenças, bem como, a "instrução intelectual" e a catequese. Mal sabiam que não se tratava de um povo sem cultura ou sem religião, mas que apenas vivenciavam suas experiências e crenças de forma diversa, não havendo que se falar em melhor ou pior. Africanos perspicazes, ao notarem o movimento de missionários, se opuseram, entendendo-os como ameaça, e assim, resistindo com veemência, desafiando os colonizadores, e, mesmo sendo convertidos, continuavam a praticar seus rituais, de forma livre ou clandestina, por medo de represálias, ou ainda, dentro do sincretismo, rogando, às suas divindades pela interferência sobre a colonização, como é o caso de Mwuari na Rodésia do Sul (atual Zimbábue) e Poro em Serra Leoa, dentre outros lugares. (OPOKU, 2010, p. 598 História da África VII).

A religião era utilizada como forma de resistência à colonização, com projetos de iniciação de jovens à vida adulta, ataques às escolas missionárias, tentativas de impedir os padres de professarem a fé. Os africanos acreditavam ainda que os rituais e medicamentos poderiam ser eficazes na cura dos ferimentos provocados pelos disparos dos colonizadores, ao passo que estes tentavam a todo custo extirpar a cultura e religião local, entendendo que eram práticas de feitiçaria.

Das práticas religiosas africanas, o ritual de iniciação aos meninos, com a circuncisão e nas meninas com a clitoridetctomia foi fortemente criticada, em especial pelo cristianismo que tentou coibir tais práticas. O islã, por sua vez teve uma relação mais próxima das religiões tradicionais africanas, uma vez que, se aproximava em certos aspetos sociais e culturais, como a magia, a adivinhação, a poligamia e a vida comunitária (OPOKU, 2010, p. 602 e 609).

Muitas das práticas envolvem rituais no quais, por exemplo, alguns membros da comunidade se vestem com roupas especiais (formais), cujos adornos, batuques e cantigas se direcionam às divindades. Uma prática antiga é o Vodum, bastante atrelada à magia, que repercutiu inclusive, que chegou a influenciar o Candomblé, no Brasil e, o Vudu nos Estados Unidos. (SANTOS, 2016).

Os cultos tradicionais resistiram, misturando-se com a cultura invasora, sendo transmitidos em especial, pela oralidade, através das gerações.


Referências

AMBROSIO, Gabriel. África em pesquisa: "o que a colonização não fez - parte II". Por dentro da África: 2015. Disponível em: https://www.pordentrodaafrica.com/cultura/africa-em-pesquisa acesso em 17 de fevereiro de 2022.

BOAHEN, Albert Adu. História geral da África, VII: África sob dominação colonial, 1880-1935. Brasília: UNESCO, 2010.

DALBOSCO, João Paulo. Colônia à vista: breve estudo sobre a partilha africana. Revista de Ciências Humanas e Sociais. V1, n. 2, jul-dez. 2015.

FIGUEIREDO, Fábio Baqueiro. História da África, módulo 1. Brasília; Ministério da Educação. Secretaria da Educação Continuada: Centro de Estudos Afro Orientais, 2011.

MARCUSSI, Alexandre Almeida. A formação do clero africano nativo no Império Português nos séculos XVI e XVII. Temporalidades - Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. Vol. 4, n. 2, ago-dez/2012. Págs. 38-61. Disponível em: file:///C:/Users/1/AppData/Local/Temp/5448-Texto%20do%20artigo-17555-1-10-20160910.pdf acesso em 17 de fevereiro de 2022.

ROMAO, Tito Lívio Cruz. Sincretismo religioso como estratégia de sobrevivência transnacional e translacional: divindades africanas e santos católicos em tradução. SCIELO, jan-abr. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tla/a/BYNWpsPRxzMYh4gGGCwH5Vk/?lang=pt# acesso em 17 de fevereiro de 2022.

SANTOS, Atenor Junior pinto dos. LOURÊDO, Gabriela Ferreira. SOUZA, Heloizza Kelly Marques de. Exploração portuguesa na África colonial: cristianismo como forma de dominação e estratégia política dos reis africanos. Anais do VIII Encontro Estadual de História. ANPUH BA, Feira de Santana, 2016. Disponível em: https://www.encontro2016.bahia.anpuh.org/resources/anais/49/1474756381_ARQUIVO_ExploracaoportuguesanaAfricacolonialcristianismocomoformadedominacaoeestrategiapoliticadosreisafricanos.pdf acesso em 17 de fevereiro de 2022.


SANTOS, Vandicléia Silva. Resenha: HISTÓRIA ATLÂNTICA EM TORNO DA RELIGIÃO VODUM. PARÉS, Luis Nicolau. O rei, o pai e a morte: a religião Vodum na antiga Costa dos Escravos na África Ocidental. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 487p. disponível em: https://www.redalyc.org/journal/770/77051153008/html/

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