Fugindo do Imperialismo: a resistência da Etiópia

12/04/2022

Milena Cristina Perardt Garbossa é graduanda em História pela Unicentro, Campus Santa Cruz.

A partir de 1870, alguns países do ocidente da Europa - como Inglaterra, França, Alemanha e Itália - partem para a Ásia e a África, com o objetivo de encontrar matérias-primas, e consequentemente, lucro e poder. Com o argumento de que os povos que encontraram eram atrasados e precisavam ser civilizados, o contato com as novas terras e populações não foi apenas comercial, mas também de conquista, influência e controle sobre os territórios e quem neles vivia.

Nesse contexto, enquanto praticamente todo o restante continente africano estava sendo repartido entre as potências europeias, a Etiópia se manteve como o único Estado africano autóctone a permanecer independente. Sendo assim, nossa questão é entender como se deu sua resistência ao imperialismo.

Administração da Etiópia antes da partilha da África

O sistema político etíope tinha, essencialmente, 3 eixos: econômico, político e religioso, que eram administrados em níveis: distritos comandados pelos senhores, províncias comandadas pelos governadores, e nação, comandada pelo imperador. "Unidos por uma rede de relações hierárquicas, constituíam os pilares do sistema, já que cada um era "ao mesmo tempo chefe da administração, chefe militar, juiz e cortesão". Regra geral, o imperador nomeava os governadores, que, por sua vez, nomeavam os senhores ou sub-governadores" (AKPAN, 2010, p. 290).

O senhor podia exigir impostos em espécie das famílias do distrito, e colocar os súditos para trabalhar nas suas terras. Ele ficava com uma parte do tributo, e dava o restante para o seu superior, o governador. Também, julgava casos e desentendimentos do distrito, convocava e comandava a milícia local, dirigia trabalhos públicos do distrito e zelava para que sua "paróquia", cumprisse suas obrigações com a Igreja Ortodoxa Etíope. O governador fazia basicamente as mesmas coisas que o senhor, mas no nível de província.

Já o imperador, tinha funções simbólicas, de proteção, distribuição e direção. "Comandava em pessoa o seu exército, administrava os negócios do império, prestava justiça e protegia os seus vassalos. Por fim - e talvez fosse essa a função mais importante - era o símbolo da unidade e da independência nacionais, já que se presumia descender do rei Salomão, pelo que recebia a coroa e a unção imperial do abuna, chefe egípcio da Igreja Ortodoxa Etíope" (AKPAN, 2010, p. 291).

Sendo assim, vemos de um lado um núcleo político e um governo central, e de outro uma zona periférica com subsistemas. Para manter o seu poder, o império concedia privilégios para as regiões centrais, mantinha relações de clientela e assimilava as regiões periféricas.

As investidas europeias

Em 1885, os italianos tomaram o porto etíope de Massawa - e assim impediram que as armas encomendadas pelo imperador da Etiópia chegassem até ele -, e adentraram no interior do continente. Nesse ponto, vários flagelos abatem o Império ao mesmo tempo: falecimento do imperador, morte do gado, carestia e epidemias de varíola e cólera. Enquanto isso, os italianos avançavam rapidamente.

O novo imperador, Menelik, tentou negociar com a Itália, e os países assinaram o tratado de Wuchale, em 1889, que tinha pontos positivos para os dois lados. Mas... havia duas versões do tratado, uma em amárico e outra em italiano, e o artigo 17 tinha um sentido diferente em cada versão. Em amárico, a Etiópia poderia recorrer à intermediação da Itália se quisesse estabelecer relações com outros países. Em italiano, a Etiópia deveria recorrer à intermediação da Itália. O que evidencia que o objetivo da Itália era tornar a Etiópia seu protetorado - ou seja, cada decisão diplomática etíope tinha que passar por aprovação italiana antes de se concretizar.

Menelik não aceitou o acordo, e a Itália seguiu ocupando mais territórios etíopes, alegando que só os devolveria quando a Etiópia aceitasse a versão em italiano do tratado. Ao longo de vários anos de tensão, Menelik comprou munição principalmente da França e da Rússia, preparando-se para expulsar os italianos, e chega a ter 82 mil fuzis e 28 canhões.

A guerra eclodiu em dezembro de 1894. O combate decisivo foi a Batalha de Adwa: 18 mil italianos lutaram contra mais de 100 mil etíopes. A derrota dos italianos foi total e em 1896, foi assinado o Tratado de Addis Abeba, que reconheceu a independência completa da Etiópia. A Itália foi obrigada a pagar reparações, e milhares de prisioneiros de guerra foram submetidos a trabalhos forçados, na construção da capital, Adis Abeba. As demais nações imperialistas prestaram todas as formas de respeito para com o Império da Etiópia, tratando-o como um estado soberano.

Estratégias de resistência

Por fim, podemos citar alguns motivos pelos quais a Etiópia conservou a soberania e a independência, apesar das investidas imperialistas. Primeiramente, de ordem religiosa, a firme crença de estarem destinados por Deus a sobreviver, e a consequente vontade de permanecer independente, fez com que a rendição ao comando imperialista nunca fosse uma opção. Uma frase famosa de Menelik ilustra muito bem esse sentimento: "A Etiópia não precisa de ninguém; ela estende as mãos para Deus".

A segunda grande razão pela qual o estado etíope sobreviveu é de ordem diplomática. Menelik, com excelentes habilidades diplomáticas, soube tirar vantagem da rivalidade entre as potências imperialistas e colocar umas contra as outras. Um terceiro motivo seria a determinação dos países imperialistas em não permitir que um de seus rivais se apoderasse da Etiópia.

Uma quarta causa é o poderio militar da Etiópia: 700 mil soldados em todo o império - armados com fuzis, metralhadoras e canhões modernos -, conheciam o território que defendiam, eram distribuídos de maneira planejada, e recebiam ordens centralizadas do imperador.

Referências

AKPAN, M. B. Libéria e Etiópia, 1880‑1914: a sobrevivência de dois Estados africanos. In: BOAHEN, A. A. História Geral da África, vol. VII. 2.ed. rev. - Brasília: UNESCO, 2010.

GOMES, A. M. Menelik II e Hailé Selassié I: a luta etíope pela conservação da independência. Identidade!, 2017.

SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2006.


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